Está mais do que na hora de as
empresas de jornais impressos devolverem às redações o tempo, de cinco a seis
horas, na média, que o processo industrial roubou do ciclo de produção da
notícia. A devolução, difícil de ser empreendida, é essencial para que os
jornais recuperem os antigos níveis de qualidade e possam sobreviver ao ataque
impiedoso da web.
Ninguém observa, ao que parece, o
quanto faz falta o tempo roubado. Jornais que fechavam à meia-noite são
fechados hoje – e a toque de caixa – às 18 e 19 horas. Não há mais tempo – e
nem recursos humanos – para agregar inteligência e reflexão à produção da
notícia. Editores de todas as especialidades perderam suas equipes de apoio –
copidesques e redatores, chefias de reportagens –, de modo que não dispõem mais
de tempo para refletir sobre o que gostariam de publicar e nem sequer sobre
aquilo que publicam. O repórter vem da rua e escreve diretamente na “forma
digital” e o editor mal tem tempo de ler e corrigir aquilo que foi escrito.
Nada mais natural que os jornais tenham se tornado rápidos, superficiais,
burocráticos, redundantes – um em relação ao outro.
A escassez de tempo, por sua vez,
tem roubado a capacidade das redações funcionarem como escolas de jornalismo
que sempre foram. E isto é particularmente dramático: repórteres de trajetória
já longa ainda não sabem apurar, entrevistar, escrever e têm uma pálida noção
da hierarquia da informação, o que tem contribuído para que a qualidade dos
jornais se deteriore cada vez mais.
Matérias especiais
O que fazer, então? Tornar tudo ainda
mais simples e ainda mais superficial cedendo à tendência murdochiana de
introduzir entretenimento nas mídias impressas ou acreditar nas qualidades
intrínsecas do papel – portabilidade, credibilidade entre várias outras – e
reagir e entregar ao público produtos de alta qualidade informativa? Já escrevi
em artigo anterior que o papel não será vencido por obsoletismo, mas apenas por
impropriedade de uso. O jeito, portanto, é mandar Rupert Murdoch às favas e
acreditar que o papel é insubstituível na missão de prover conteúdos de
qualidade e profundidade ao grande público.
São poucos os caminhos destinados
a alongar o ciclo de produção da notícia em redações comprimidas e engessadas
pela obrigação de entregar os jornais nas bancas e aos assinantes na madrugada
do dia seguinte. Um deles, presumo (é o que eu faria se responsável fosse por
uma redação hoje em dia, apesar de não ter mais essa pretensão), é o da divisão
das redações em duas equipes – a primeira delas estaria voltada para preparar o
jornal do dia seguinte; e a segunda seria incumbida de preparar os jornais dos
dias seguintes. Esta segunda equipe não trabalharia sob pressão de tempo ou de
fechamento e teria liberdade para queimar até uma semana, se for o caso, na
preparação de uma reportagem ou de um assunto não perecível.
Algumas redações de grandes
jornais já fazem isso, timidamente, tendo como meta engordar as edições
dominicais com o chamado material especial. Minha proposta é, contudo, bem mais
radical: fazer com que a “segunda equipe”, estabelecida dentro de um regime de
revezamento para que todos os jornalistas tenham a oportunidade de trabalhar
livres da pressão e no aprofundamento dos diferentes temas, produza matérias
especiais para todas as edições, ininterruptamente, sob orientação de outros
editores.
Transferência de conhecimento
A fase de implantação do novo
modelo pode ser de aperto. A “primeira equipe” terá de se desdobrar para fechar
as primeiras edições em novo regime até que a “segunda equipe” comece a irrigar
as edições com seu material especial. Nada que não seja superável pelo
armazenamento prévio de “matérias de gaveta” (não perecíveis) ou pela
compreensão em geral de que os jornais impressos têm de reduzir fortemente seu
atual posicionamento no hard news, a notícia quente do momento, a novidade,
material muito mais adequado para a mídia digital e eletrônica. Há que se
compreender ainda que, em busca da qualidade perdida, os jornais teriam de
interromper esse longo e tenebroso ciclo de demissões e voltar a investir na
informação. O novo regime talvez exigisse a contratação de alguns novos
editores e repórteres.
A inteligência aplicada à
produção da notícia iria aflorar, com certeza, dentro desse novo regime, que
permitiria ainda que os mais experientes tenham tempo para transferir
orientação e conhecimentos aos novos jornalistas. Os jornais perderam níveis
extremos de qualidade desde que o regime de produção da notícia foi
transformado nessa espécie de A Noite dos Desesperados.
Texto do Observatório da Imprensa escrito por Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa
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