O jornalismo está em reforma. Estão em construção as novas diretrizes para os cursos de jornalismo. Para isso foram realizadas três audiências públicas, com a acadêmia, patrões e mercado para poder colher contribuições para o projeto. Abaixo vai o que houve na última audiência pública. O texto é do Observatório da Imprensa.
A 3ª audiência sobre Diretrizes Curriculares
Rogério Christofoletti
A Comissão de Especialistas em Formação Superior dos Jornalistas trabalha na reforma das diretrizes curriculares dos cursos de Jornalismo concluiu na segunda-feira (18/5) a etapa das audiências públicas que realizou com variados setores da sociedade. A terceira e última audiência aconteceu na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em São Paulo, e reuniu representantes de diversas organizações. "Foi a reunião mais densa e orgânica que tivemos", avaliou o presidente da comissão, José Marques de Melo, após quase quatro horas de debates. "As duas audiências anteriores também foram bastante participativas, mas hoje a diversidade das falas enriqueceu bastante o processo."
Marques de Melo se referia às quase trinta organizações presentes, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) a Unesco e Instituto Ethos, passando pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação (Enecos) e Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI).
As manifestações das organizações e as sugestões da platéia foram recolhidas pela comissão, que já iniciou a sistematização das informações para a redação de um documento que se pretende resultar no das novas diretrizes. Se antes o prazo de conclusão dos trabalhos era 3 de junho, agora estendeu-se até 12 de agosto, informou a representante do Ministério da Educação Cleonice Matos Henn.
Formação humanística
Não apenas entre as entidades participantes, mas também entre convidados, um tema foi repetido quase à exaustão durante a audiência: a necessidade de reforçar a formação humanística nos cursos de Jornalismo. Foi o caso dos jornalistas Caio Túlio Costa e Eugenio Bucci, que abriram a sessão de manifestações. Para eles – cada um a seu modo –, as escolas precisam retomar conteúdos que contribuam para uma formação mais clássica dos jornalistas, de modo a não apenas se capacitarem a executar tarefas práticas e cotidianas da profissão. "A formação do profissional multimídia não pode acontecer afastada de uma formação humanística", afirmou Caio Túlio.
Eugenio Bucci criticou a organização atual das disciplinas nos currículos – jornalismo impresso, televisivo etc... –, argumentando que essa disposição já não mais dá conta das demandas formativas. O professor de Ética da USP citou eixos que poderiam sustentar uma formação ideal na sua visão: Linguagem, Democracia, Formação Humanística e Formação em Teorias da Comunicação. Os conteúdos relevantes para formar novos jornalistas perpassariam esses eixos de forma mais fluida e sistêmica.
Curso complementar ou não?
Outro tema palpitante na audiência foi a própria natureza e modalidade dos cursos de Jornalismo a serem oferecidos no Brasil. Caio Túlio Costa, por exemplo, defendeu a proposta de profissionais formados em outros cursos fazerem especialização nas escolas de Jornalismo, habilitando-se a atuar nas redações. A proposta foi referendada por outras falas, entre as quais a da CNBB. Mas teve resistência bem marcada nas posições de Celso Schroeder, coordenador do FNDC, e de Valci Zuculoto, do Departamento de Educação e Aperfeiçoamento Profissional da Fenaj, que argumentaram pela garantia de formação específica em Jornalismo, e não a sua complementar.
Bem menos ligados à academia, alguns setores demonstraram forte preocupação quanto a oferta de cursos no país. Eduardo Ribeiro, da Mega Brasil Comunicação, comparou números de escolas e de egressos à tendência cada vez mais aguda de fechamento de postos de trabalho, e a consequente não absorção de grandes contingentes de recém-formados. Sérgio Gomes, da Oboré Comunicação, queixou-se da impossibilidade real de conciliar os conteúdos e competências desejáveis aos novos jornalistas com as condições encontradas nas escolas e na vida contemporânea.
Dispersão e resultados
A audiência foi comemorada pelo presidente da comissão, José Marques de Melo, como um momento de diversidade e encontro de pensamentos distintos no debate sobre as diretrizes curriculares. A pluralidade das organizações presentes e a possibilidade de manifestações livres enriquece, mas também fragmenta a discussão.
Nas quase quatro horas de audiência, falou-se de tudo: dos conteúdos desejáveis nos currículos à necessidade de maior fiscalização do MEC sobre os cursos; da urgência da democratização da comunicação ao papel central da ética na formação dos jornalistas. Houve até quem se perdesse, como o representante da ONG Amigos da Água que, em tom alarmante, falou da extinção da humanidade por causa da escassez do recurso; ou ainda como um angustiado repórter fotográfico, que se queixou de como o sindicato dos jornalistas vem permitindo a entrada de profissionais totalmente despreparados no mercado de trabalho.
Audiência públicas são relevantes, mas também são um perigo, pois podem descambar para um festival de catarses ideológicas, de reclamações descabidas e inoportunas, e de outros desvarios. Não foi o caso da ocorrida em São Paulo, talvez até pelo adiantado da hora e do cansaço evidente de todos.
Audiências como esta têm muito mais significado político do que prático e operacional. Nessas ocasiões, as organizações têm a liberdade de se manifestar e marcar posições, ancorando seus discursos em plataformas mais evidentes. Do ponto de vista prático, a comissão de especialistas teve a oportunidade de recolher contribuições, referendou o processo de debate público e concluiu uma importante etapa em seus trabalhos: ouvir os setores interessados e receber informações e sugestões.
A partir de agora, a comissão deve trabalhar em cima de uma massa considerável de dados, precisando inclusive tomar algumas decisões que venham a orientar o documento que será encaminhado ao MEC. Esse documento ainda não é o que sintetiza as diretrizes curriculares, já que é preciso que o Conselho Nacional de Educação analise e edite essas normativas. Como disse José Marques de Melo no final da audiência, não se deve alimentar ilusões de que o caminho esteja no final e ele seja tranquilo. De nada adianta termos diretrizes curriculares bem construídas se a sociedade não fazê-las acontecer. Marques de Melo sabe do que está falando e há muito chão pela frente...
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